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Caçada

Entrei no quarto e fui atingida pelo cheiro fraco de incenso e perfume amadeirado, o chuveiro estava ligado e sussurrava baixinho no outro cômodo. Suas roupas estavam largadas de qualquer jeito sobre a cama, como se não pudesse esperar se livrar delas e tivesse arrancado de seu corpo assim que possível. Não era a primeira vez que eu entrava em um quarto barato de motel, com a cama desconfortável e ar burocrático, mas sentia uma pontada de ansiedade no fundo do estômago. Acho que é assim que a pantera se sente logo depois de avistar sua presa. Deixei meu casaco em uma cadeira e me aproximei da porta entreaberta do banheiro, de onde escapava vapor. Quando vi seu cabelo molhado e suas costas nuas, comecei a salivar. Lambi os lábios, nervosa, sedenta. Bati na porta com os nós dos dedos para anunciar minha chegada e encostei meu quadril na pia, de onde podia observa-lo. - Você quer companhia? Meus dedos já acariciavam o tecido de minha roupa, inquietos, esperando um sinal de aprovação
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Stacatto parte I

Assume-se que seres da noite como eu sentem repulsa por seres da luz, como anjos e outros parecidos com eles; mas não poderiam estar mais errados. Se não é a imensa vontade de corromper tudo o que é bom e belo, o que nos atrái é o caráter às vezes malicioso, enganador, como o das fadas. Tive minhas experiências com pessoas assim. Naquela noite em específico, entrei num clube noturno como tantos outros. Ultimamente um anjo, dentre todas as criaturas, andava frequentando os inferninhos comuns às outras raças. Era impossível não notá-lo: além do brilho dourado que emitia, estava cercado de mulheres de diversas espécies, todas hipnotizadas pela possibilidade de estar perto de um anjo. Claro que era bonito. Alto, dos olhos verdes e a pele tão branca e uniforme que parecia pedra. Parecia incrivelmente entediado, muito mais interessado em fumar um cigarro lentamente do que dar atenção à alguma de suas várias acompanhantes. Reconheci algumas das moças cujo olhar estasiado varria aquele rosto

Legatto

A vi pela primeira vez em na cidade que se chamaria Londres, dentro de uma liteira, com os cabelos dourados escondidos sob um véu azul salpicado de pontos de prata. O sol, que na época eu ainda podia tolerar, refletia nos ornamentos dourados do transporte. Era claro como o dia para mim que ela havia sido uma criança trocada por fadas, deixada no berço ao contrário de uma criança humana; mas seus pais e amigos não conseguiam reconhecer isso através do forte glamour que ela exalava. Mesmo a olhos treinados, ela tinha uma beleza sobrenatural. Entretanto, quem conseguia ver através de sua magia, podia visualizar suas pequenas tatuagens faciais que a marcavam como uma fada de algum escalão superior. Eu mesma só percebi por causa do extenso treinamento com bruxas. Seus pais verdadeiros haviam escolhido sua família humana com primor. Ela era considerada a filha de um casal muito rico e influente, senhores feudais de uma área nobre. Não vou mentir: Fayre era o amor da minha vida. Quando nos

Trinado

Só um tolo beberia sangue de fada, diz o ditado. Para humanos, ele pode fazer enlouquecer. Para outras fadas, pode ser um veneno. Mas para quem se alimenta de outros seres... ah... Ele se torna um vício. Quando a vi novamente, quase duzentos anos depois de nos conhecermos, estávamos ambas mudadas. Enquanto eu preferia me retirar às sombras do anonimato, ela decidira usar todo o poder de sua aparência para conquistar um lugar onde poderia facilmente manejar seres humanos. Nos vimos do outro lado da rua, e ela logo veio até mim me cumprimentar. - Não é hora de moças como nós estarmos na rua. - deu uma risada rouca. - Essa é a hora exata para moças como eu. Felizmente sei me cuidar. - sorri para ela, perscrutando seus olhos escuros por alguma zombaria, mas não encontrei nenhuma. Ela sorriu e tomou-me uma das mãos, levando-a aos lábios e beijando-a delicadamente. Aquele beijo fez todos os pelos do meu corpo se arrepiarem, como se tivesse me eletrizado. Ela não se deixou abater pelo meu

Renda

Hoje cedo tinham dependurado as bandeirinhas através da praça. Renata ajeitou os óculos escuros ao sair do restaurante e apertou sua jaqueta ao redor da cintura. Há duas semanas ela tinha chegado à cidade mas ainda parecia destoar onde quer que fosse, como se alguém colasse uma ilustração de uma dessas modelos do Instagram em um quadro de Monet. Sua pele morena refletia os tons dourados do sol do Rio de Janeiro enquanto ela descia a rua metida em um vestidinho esvoaçante cor de creme, claramente chamando a atenção por onde passava.  Ela se dirigia à praça com um livro nas mãos, a passos firmes, mas estacou onde estava ao fixar o olhar em um grupo de jovens logo à frente. Eram algumas moças também recém entradas na faculdade, como ela, que riam alto e sorriam muito, um pouco bêbadas. A mais alta delas tinha estampado no rosto um sorriso malicioso, que parecia perfeito para acompanhar sua aparência meio rebelde: sua cabeça parecia rodeada por vários vagalumes, pois seus vários brincos e

Memória de um amor

Éramos namorados, amantes, exageradamente apaixonados. No começo não nos demos bem, e eu me lembro de fugir pelas ruas em longos saltos. Ele, sem nome, foi atrás de mim e admitiu que minhas palavras o tornaram obssessivo. Nossas similaridades envolviam transtornos mentais sérios e uma total dependência na figura materna, mas acabavam aí. Sua psicose era tão extrema, que durante as noites ele deixava o conforto da cama que dividíamos para procurar-me mesmo se eu estivesse deitada ao seu lado. Sua personalidade se mantinha constantemente na corda-bamba, embora sua arrogância nunca diminuísse. Mas seu amor era tão real que acordei sozinha, sentindo sua falta.

Cetim

O parque de diversões abria pela primeira vez em muitos anos. Os brinquedos tinham ganhado uma nova demão de tinta, o cheiro de pipoca enchia o ar no fim da tarde e como já anoitecia, crianças mais novas já tinham ido embora. De tarde havia chovido e logo na entrada uma árvore tinha gotículas de chuva nas folhas. Quando Vicente passou por ela, alguém esbarrou no tronco e o cabelo preto dele se cobriu de minúsculas estrelas, que refletiam as luzes coloridas da roda gigante. Ricardo esperava junto ao carrossel comendo um algodão doce nervosamente, mas o mundo parou quando viu o outro vindo em sua direção. Ricardo tinha esperando mais de um ano para convidar Vicente pra sair e o nervosismo o consumia. Quando Vicente chegou perto o suficiente, sorriu para ele e o apertou contra si em um abraço afetuoso. Ricardo demorou um pouco a se soltar no fim do abraço, corando visivelmente. Apontando a roda gigante, disse em voz alta: - Você não queria ir na roda gigante? Vicente virou sua atençã

Arpeggio

Acordei suado com o corpo embolado entre os lençóis. Minha cabeça ainda estava confusa, mas a primeira coisa que percebi foram todos os meus nervos esticados por conta de uma onda avassaladora de tesão. O lençol escondia uma ereção quase dolorosa, ainda presa sob a cueca, que precisava ser resolvida o mais rápido possível. Eu tinha sonhado de novo com aquela mulher predadora. Saí de casa disposto a encontrá-la e trazê-la comigo, nem que isso custasse um preço um pouco alto demais. Entrei em alguns bares e clubes ao acaso, olhei rapidamente quem estava ali e saí de novo, mas encontrei meu objetivo quando me virei para o outro lado da rua. Lá estava ela, com um vestido fendado expondo uma das coxas, que estava sensualmente envolvida nos quadris de um homem trêmulo. Quando me aproximei ela cruzou olhares comigo e seus grandes olhos castanhos fizeram um calafrio cruzar meu corpo. Lambeu os lábios gostosamente e sorriu - fazendo eu sentir um latejar dentro das calças - e deixou o homem que

Crescendo (continuação)

Com um estrondo, alguém abriu a porta o suficiente para enfiar a cabeça e olhar pra dentro, deixando derramar luz colorida e música alta pelo cômodo. Quando fixei meus olhos na moça, reconheci imediatamente no padrão de manchas em seu cabelo que ela era uma selkie. Ela olhou com desdém para o corpo que eu não me preocupei em cobrir e soltou uma risada baixa. - Não vou atrapalhar sua diversão. - depois, virou-se para minha companhia - Você sabe onde está se metendo? Senti uma pontada de adrenalina. Aquela selkie estava me desmascarando, já que não tinha tido atenção pra enfeitiçá-la também, mas minha companheira levantou seus olhos completamente negros e os estreitou em direção à ela, fazendo um gesto dismissivo para que saísse. A porta se fechou sozinha, empurrando a selkie e a luz para fora. - O quê...? - Eu sei quem você é. Seu feitiço não funciona em mim. Minha mente ficou em branco por um momento antes que a balbúrdia de perguntas preencherem todo o espaço. Essa situação era