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Renda

Hoje cedo tinham dependurado as bandeirinhas através da praça. Renata ajeitou os óculos escuros ao sair do restaurante e apertou sua jaqueta ao redor da cintura. Há duas semanas ela tinha chegado à cidade mas ainda parecia destoar onde quer que fosse, como se alguém colasse uma ilustração de uma dessas modelos do Instagram em um quadro de Monet. Sua pele morena refletia os tons dourados do sol do Rio de Janeiro enquanto ela descia a rua metida em um vestidinho esvoaçante cor de creme, claramente chamando a atenção por onde passava.
 Ela se dirigia à praça com um livro nas mãos, a passos firmes, mas estacou onde estava ao fixar o olhar em um grupo de jovens logo à frente. Eram algumas moças também recém entradas na faculdade, como ela, que riam alto e sorriam muito, um pouco bêbadas. A mais alta delas tinha estampado no rosto um sorriso malicioso, que parecia perfeito para acompanhar sua aparência meio rebelde: sua cabeça parecia rodeada por vários vagalumes, pois seus vários brincos e piercings refletiam a luz amarelada do fim da tarde; sua pele escura contrastava com os shorts jeans que usava e seu cabelo curto parecia refletir sua personalidade agressiva, de um tom vermelho berrante.
Renata sentiu uma onda de calor subir pelo pescoço, enquanto olhava para aquele sorriso. Ela estava apaixonada.

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