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Memória de um amor

Éramos namorados, amantes, exageradamente apaixonados. No começo não nos demos bem, e eu me lembro de fugir pelas ruas em longos saltos. Ele, sem nome, foi atrás de mim e admitiu que minhas palavras o tornaram obssessivo. Nossas similaridades envolviam transtornos mentais sérios e uma total dependência na figura materna, mas acabavam aí. Sua psicose era tão extrema, que durante as noites ele deixava o conforto da cama que dividíamos para procurar-me mesmo se eu estivesse deitada ao seu lado. Sua personalidade se mantinha constantemente na corda-bamba, embora sua arrogância nunca diminuísse. Mas seu amor era tão real que acordei sozinha, sentindo sua falta.

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