Pular para o conteúdo principal

Macabro

Aproximou-se, o coração batendo tão forte e tão alto. Olhou os cabelos espalhados pela fronha, e as pálpebras róseas fechadas. Observou os lábios grossos e o rosto de simétrica perfeição, a pele tão lisa e macia que parecia uma fruta madura. A beleza que sempre admirara, desde o começo. O peito subindo e descendo, a respiração durante o sono.
Por um momento, a negritude presente naquele quarto foi cortada pelo brilho de uma faca, afiada e comprida feito um punhal árabe. E o brilho, que refletia a luz dos postes na rua, subiu e culminou numa descida. Antes que houvesse um mínimo som, subiu e desceu mais uma dezena de vezes, até que todos os sons cessaram outra vez.
Um sorriso dorido cortou seu rosto, e antes que pudesse se conter, ajoelhou-se e deixou-se cair sobre as colchas manchadas do sangue que não podia ver. Tocou pela última vez as mãos dela e beijou uma delas com carinho, antes de levantar-se. Depois, guardou suas coisas, arrumou-se cuidadosamente no banheiro, lavou as últimas evidências e abriu o portão. Deu uma última olhada nas estrelas que cobriam o céu acima do telhado da velha casa, e partiu, sem olhar para trás. Ela jamais voltou ali.

ps.: título em homenagem a meu agridocinho, Marquíssimo.

Comentários

Margos disse…
E ela jamais voltou alí! Profundo tão quanto o punhal árabe!

Postagens mais visitadas deste blog

Stacatto parte I

Assume-se que seres da noite como eu sentem repulsa por seres da luz, como anjos e outros parecidos com eles; mas não poderiam estar mais errados. Se não é a imensa vontade de corromper tudo o que é bom e belo, o que nos atrái é o caráter às vezes malicioso, enganador, como o das fadas. Tive minhas experiências com pessoas assim. Naquela noite em específico, entrei num clube noturno como tantos outros. Ultimamente um anjo, dentre todas as criaturas, andava frequentando os inferninhos comuns às outras raças. Era impossível não notá-lo: além do brilho dourado que emitia, estava cercado de mulheres de diversas espécies, todas hipnotizadas pela possibilidade de estar perto de um anjo. Claro que era bonito. Alto, dos olhos verdes e a pele tão branca e uniforme que parecia pedra. Parecia incrivelmente entediado, muito mais interessado em fumar um cigarro lentamente do que dar atenção à alguma de suas várias acompanhantes. Reconheci algumas das moças cujo olhar estasiado varria aquele rosto

À coragem

Para a cavidade sob o sexto par de costelas Minha querida companheira, Todos esses anos não percebi sua companhia, delicadamente movendo as peças quando necessário, mas acho que é chegada a hora de reconhecer seu mérito. Obrigada por ter me carregado através dos anos mesmo quando eu não conseguia enxergar o caminho a frente, ou me empurrado nos braços de determinadas oportunidades às quais eu não iria sozinha.  Nunca fui de me considerar uma pessoa corajosa, mas vejo que sou, sim, nas pequenas coisas. Eu escolhi andar descalça em um terreno em que a terra se mistura a espinhos, sendo totalmente genuína e aberta sobre o que sinto enquanto a maioria das pessoas se fecha. Espero que você me leve pela mão durante mais um ano. Afetuosamente, Juliana.

Cachoeiras do universo

Observei a tez bem escura de uma moça, cujo cabelo se punha como uma coroa de cabelos crespos, e imaginei como diria a ela que sua cor é belíssima. Imagino que nos confins do universo, o céu se transforma em água e jorra em cachoeira para se desfazer em nada. Todos os dias, uma das deusas leva um jarro na cabeça para colher a água e reabastecer um pequeno poço. Ela tem a pele da cor dos grãos de café e o corpo delgado, com um fino e elegante pescoço onde a cabeça divina repousa, o cabelo crespo cortado bem baixo de modo a fazer pequenos círculos onde deveriam ser cachos. Vestida de laranja e dourado, seu ventre hoje está menor que o normal pois ela deu a luz recentemente. A menina veio como um bebê frágil e que quase não respirava. Sábia, a mãe-deusa banhou o bebê no céu escuro sem estrelas e garantiu a ela a cor divina que tinha por direito. Mas não digo nada.