Pular para o conteúdo principal

Poesia Matinal

- Que horas são?
- Sete e meia da manhã.
- Sério isso? Eu virei a noite outra vez? Mas que merda.
Ele coçou a barba, revirou aqueles olhos fundos e agarrou a caneca favorita, que eu tinha enchido de café.
- Você escreveu algo novo?
- Nada. Continuo preso naquele projeto que sei que não vai render nada.
- Não se preocupe, querido.
Ele me tomou a mão, distraído, massageando-me as juntas com as pontas dos dedos. Depois, acendeu um cigarro e o deixou pender molemente nos lábios.
- Você quer cortar os cabelos hoje?
Aquele olhar de criança surpresa sempre me fascinara. Rasgou-se num sorriso agradecido.
- Se você puder... Só não estranhe se eu dormir.
E foi-se, sentou na cadeira alta, o cigarro nos lábios e a caneca numa das mãos, um caderninho na outra. Enfiado atrás de uma orelha, um lápis muito mordido. Joguei a capa por cima de seus ombros, molhei seu cabelo, ia apanhando tufos entre os dedos e a tesoura deslizava.
- Como você pretende escrever ideias se não larga desse café? Como vai segurar o lápis e o caderno ao mesmo tempo, homem?
Me olhou travesso por cima do ombro.
- Não é verdade?
Levantou-se e alcançou o móvel atrás de mim, onde repousou sua caneca, já completamente vazia. Beijou-me um dos ombros na volta e sentou-se de novo. Girava o lápis entre os dedos enquanto murmurava alguns poemas em voz baixa. Era quase como se resmungasse sozinho.
- Leia alguma coisa para mim.
- Tem certeza?
- Por favor.
Ele respirou fundo.
"Se és mármore e espuma branca
vin'das ondas que n'areia o mar espalma
E olhos verdes de palma

Sua mão seguro entre meus calos
de homem bruto e sem cuidados
Cujos olhos amarelos
só brilham quando agarrados
ao teu vestido de linho"

E assim passavam-se os dias.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Stacatto parte I

Assume-se que seres da noite como eu sentem repulsa por seres da luz, como anjos e outros parecidos com eles; mas não poderiam estar mais errados. Se não é a imensa vontade de corromper tudo o que é bom e belo, o que nos atrái é o caráter às vezes malicioso, enganador, como o das fadas. Tive minhas experiências com pessoas assim. Naquela noite em específico, entrei num clube noturno como tantos outros. Ultimamente um anjo, dentre todas as criaturas, andava frequentando os inferninhos comuns às outras raças. Era impossível não notá-lo: além do brilho dourado que emitia, estava cercado de mulheres de diversas espécies, todas hipnotizadas pela possibilidade de estar perto de um anjo. Claro que era bonito. Alto, dos olhos verdes e a pele tão branca e uniforme que parecia pedra. Parecia incrivelmente entediado, muito mais interessado em fumar um cigarro lentamente do que dar atenção à alguma de suas várias acompanhantes. Reconheci algumas das moças cujo olhar estasiado varria aquele rosto

Ao amor

Ao meu precioso, peço desculpas por ter levado tanto tempo sem te levar em conta. Quando finalmente acordei para encarar que era você quem me movia, já era tarde demais. E quando achei que tinha encontrado minha ligação eterna com você, ela se transformou em cinzas diante dos meus olhos. Mesmo assim, tento te procurar nas pequenas coisas, e devo confessar que isso tem sido quase impossivelmente difícil, mas venho sobrevivendo há dias impossíveis há algum tempo. Aquele sopro de frio gelado sempre vem pela porta, mas agora tenho trancado-a à chaves toda vez que ele vem. Como eu te encontraria novamente, se partisse daqui? Da sua fiel amiga, Juliana.

Noite escura

Um vento vindo do norte, úmido e salgado, entrou pela janela. O candelabro que eu usava para escrever uma carta foi apagado pelo sopro, e por um segundo vi as letras brilharem no pergaminho antes da luz se apagar por completo. Larguei a pena sobre a mesa, recostei-me na poltrona e fechei os olhos... Não que fizesse diferença, com a lua coberta por nuvens escuras, o quarto havia ficado na total escuridão. E ainda restava o gosto de sal deixado nos meus lábios, como se o mar tivesse me beijado, divertido com a minha frustração. Ouvi um leve burburinho aos poucos se elevar - eram aqueles malditos quadros que ele tinha deixado. Mesmo tirando todos da parede e virando-os de costas para mim, eles cochichavam entre si. Eu podia ouvir o tom debochado em seus cochichos, as risadinhas carregadas de veneno. Ouvi meu nome repetido várias vezes. - Ainda posso ouvir, vocês sabem. Mais risadas. No escuro, sozinha, eu nada podia fazer. Devia ter ateado fogo em todos quando tive oportunidade, aprovei