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Aulas de Dança

Ela tinha quinze anos e ele, dezessete. Ele era alto e desengonçado, os braços longos e pálidos, e ela se movia com a graça de um cisne através do salão, rodopiando em seus sapatinhos recém engraxados. Cansada de vê-lo sempre num canto, treinando sozinho, ela desvencilhou-se dos vários meninos que queriam tê-la como par e se aproximou com cuidado.
- Você gostaria de ser meu par?
Ele tinha grandes olhos castanhos. Sorriu.
- Adoraria.
Algo dentro dela se aqueceu ao ver aquele sorriso, e ela o retribuiu, os olhos brilhando. Aproximou seu corpo do dele, colocando a mão em seu ombro e tomando-lhe a mão livre com delicadeza, e riu ao ver que ele tentava segurá-la como um bibelô.
- Assim não, bobo. - Riso de cristal. - Aqui, coloque a mão na minha cintura. Você quer que eu guie? Você pode pisar nos meus pés.
Algo dentro dele se aqueceu ao ver o sorriso dela, e ele assentiu, a expressão de espanto cuidadosamente disfarçada. A música começou ele tentava acompanhá-la. Ela olhou-o de baixo pra cima, o queixo pousado eu seu peito. 
- Esqueça seus pés. - apertou as grandes mãos dele com as suas, muito pequenas e delicadas.
- Eu... eu vou tentar. 
Olhar para o topo da cabeça dela era estranhamente reconfortante. A valsa seguia, dois pra cá dois pra lá, e já estava na hora do rodopio. Ela se sentia estranhamente bem, como se tivesse chegado em casa após uma longa viagem. 
Na hora do rodopio, algo deu errado. Ela se distraiu, ele a girou, mas o movimento saiu diferente e ela sentiu-se cair em direção ao chão polido de madeira. Antes que se desse conta, estava nos braços dele, aquele sorriso gentil muito próximo. Ele se sentia estranhamente bem, como se finalmente tivesse encaixado as peças no lugar.
Corando furiosamente, ela colocou-se de pé, sentindo-se subitamente desajeitada, os casais em volta olhando-os curiosos. Porém, olhou o sorriso dele e tudo estava certo de novo.

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