Estava sentada à mesa, levemente curvada, a nuca pálida à mostra enquanto escrevia uma carta. Ajeitou os óculos num gesto habitual seu empurrando-os e emendou os movimentos, apoiando a testa na palma da mão com os olhos fechados, os dedos tomando uma palidez ainda maior. Ficou assim uns instantes e voltou a escrever.
Seus olhos cor-de-noz, tristes e de longas pestanas, moviam-se pelo papel como a vasculhar algo muito importante. Ela procurava uma brecha na breve carta que escrevia ao seu pai, que morava do outro lado do continente europeu. Não achando nenhuma, assinou seu nome com um floreio.
Aquela era só uma das muitas cartas que já escrevera, e seria a única a realmente chegar até o destinatário. Todas as outras estavam trancadas no fundo falso de sua mala pronta, ao pé da escada, e seriam queimadas assim que ela tivesse partido.
Tirou os óculos, respirou fundo. Ouvia os passos dele se dirigindo ao escritório, a porta abrir, ele se aproximar de suas costas. Sentiu sua mão de dedos magros e compridos, aquela mão conhecida e esperada, tocar sua nuca com carinho e colocou sua própria mão sobre a dele.
- Eu estou partindo, você sabe.
A voz dela soava segura, cansada, vazia.
- Não posso pedir pra que fique, nem impedir que se vá. Já a segurei por tempo demais aqui, não é mesmo?
- Por tempo demais... - repetiu, sem convicção no que dizia, os olhos buscando a janela por onde entrava a luz do amanhecer. - Já está na hora.
Ele assentiu com a cabeça e se afastou enquanto ela se levantava. Por um momento, ela olhou no fundo daqueles olhos escuros e todas as doces e curtas memórias voltaram.
- Seus olhos... é como se os meus tivessem nascido para viver dentro dos seus. E olhar dentro deles é confortável e morno... como um abraço. Como você consegue me abraçar com os olhos?
A melhor palavra pra descrevê-la naquele instante era angústia. Tomado pela emoção das palavras dela, ele se aproximou com a intenção de tomá-la nos braços. Mas ela já havia partido. Corria pela escada, tomava a alça de sua mala e avançava em direção à porta. Abriu-a e girou sobre os calcanhares e o viu no topo da escada, confuso.
- Adeus, meu querido.
Numa fina cortina de vapor vermelho, ela desapareceu.
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