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A Janela

Os cabelos em cachos caprichosos e vermelhos caíam pelas costas dela, e entre eles, podia se ver a tenra pele rosada que estava exposta. Ela usava um vestido de frente única e o cetim azul abraçava-lhe o corpo como um amante. Sentada de lado em uma cadeira, apoiava-se no encosto da janela cujos vidros estavam fechados.
Seus tristes olhos castanhos olhavam uma figura se aproximar. Para vê-lo melhor, aproximou-se até sentir o vidro frio pressionando a ponta de seu nariz e seus longos cílios. Espalmou as mãos pequeninas e alvas contra a janela, as unhas longas arranhando o vidro, uma tentativa vã de segurar entre os dedos aquele momento.
Lá vinha ele... O semblante sério, um cigarro pendendo molemente dos lábios, os olhos escuros e grandes semicerrados contra o vento frio. Os cabelos despenteados e a magreza davam um ar de desamparo ao seu rosto. Vinha apressado, mas aproximando-se da casa, parou de súbito como se algo chamasse sua atenção.
Colada contra a janela, os olhos chorosos na direção dele, ela chamava seu nome baixinho e arranhava o vidro provocando pequenos sons estridentes. Ele olhava para a casa com olhos perdidos e pensativos, as mãos enfiadas nos bolsos fundos do casaco. Mas não a via.
Tirando dos lábios o cigarro já quase acabado, o jogou no chão e pisou nele. Voltando à olhar a casa, por um momento pareceu transtornado, mas logo sorria aquele sorriso torto tão habitual dele, só com os lábios, pendendo pra esquerda, com ar divertido e malicioso. E do outro lado do vidro, os lábios tremendo acima e abaixo de seus dentes, também sorria ela enquanto escorria uma lágrima solitária por suas sardas. Ela só via a ele.
A neve começou a cair como se alguém polvilhasse açúcar do céu e ele checou o relógio de bolso. Começou a andar de costas mas logo se virou e partiu rapidamente enquanto ela batia contra o vidro, impotente, gritando seu nome, completamente invisível.


Nota: Sim, vou deixar o final em aberto. FIM.

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