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Prisão em Lembranças

Olho pra essas paredes de pedra escura, antiga, e me sinto tão antiga quanto elas. Não sei há quanto tempo existo, mas rogo todos os dias pra deixar de existir. A escuridão, a umidade, a tristeza que emana dessas paredes às vezes é mais densa que a escuridão, a umidade e a tristeza dentro de mim. Talvez, minha alma tenha se tornado uma apologia à esse quarto: vazia, infeliz e mergulhada na melancolia.
Passam-se os minutos, escoam-se as horas, e há muito parei de contar os dias. Pra quê? Eles vêm e vão, e só diferencio a noite do dia pelo buraco no teto, que parece dar numa campina. Às vezes, o vento traz o aroma fraco de flores ou faz cair fios dourados de capim. Mas parece que tudo que entra nesse quarto torna-se como ele, e o aroma torna-se pútrido e o capim, seco e sem vida.
Por que ainda sobrevivo aqui? Já faço essa pergunta sem esperança de encontrar resposta, mesmo que já tenha ruminado esse pensamento tantas vezes... Meu corpo não é o que me faz continuar. Não sei porque não definha. Minha alma já há muito morreu e secou, e jaz esquecida em algum canto vago. Minha mente? Temo que venho perdendo-a aos poucos... Acostumada a vaguear com ela por horas, sonhando com vidas diferentes; certas vezes perco a noção da realidade. E esqueço-me, nas sombras da ilusão.
Talvez chegue o dia em que a ilusão será tão forte, que não mais retornarei. Isso, sim, será minha morte.

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