Na tarde daquele dia, andando pelo mercado, passei pelas vitrines da Ótica. Andando apressadamente, busquei meu próprio olhar nos vidros polidos. Mais tarde, já dentro do ônibus, olhei para o lado para observar os passageiros de outro veículo. Ao perceber que as janelas refletiam os passageiros próximos a mim, busquei um vislumbre meu. Ao jantar, entre murmúrios de aprovação, sorvi minha sopa de legumes. No final da refeição, tomei a colher entre os dedos e a encarei profundamente, esperando ver meu reflexo invertido. Por fim, num ímpeto cheio de raiva, corri até o espelho que fora pendurado no hall. "Para aumentar o cômodo", me disseram. Agarrei as molduras de madeira até os nós dos dedos ficarem brancos, e aos poucos deixei minhas pálpebras abrirem. Eu não estava ali.
Metódico, cirurgicamente limpo, preciso. O sobretudo preto e a cartola de cetim da mesma cor; as delicadas luvas de pelica branca, tudo denotava sua classe. Era um assassino. E não era unicamente um assassino... era um gênio. O melhor e mais conhecido de todos os tempos, e além de tudo, o mais rico. Engraçado como essa noite não carregava sua maleta com seus preciosos instrumentos. Levava em uma das mãos sua bengala, engastada com pérolas negras; e na outra, um estranho embrulho branco. Era grande o suficiente para parecer um presente, mas a cobertura era uma tira de pano branco e simples. Não podia pertencer à nenhuma de suas amantes. Cuidadoso também nesse sentido, nunca deixara com que nenhuma delas sobrevivesse mais do que algumas noites de satisfação. Presenteava-as, claro, mas logo recuperava o lucro perdido. Até a noite em que a conhecera. Helena era uma figura mítica. Muito mais bela que Helena de Tróia, muito mais poderosa que qualquer rainha amazona. Seus cabelos de um ruivo ...
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