Na tarde daquele dia, andando pelo mercado, passei pelas vitrines da Ótica. Andando apressadamente, busquei meu próprio olhar nos vidros polidos. Mais tarde, já dentro do ônibus, olhei para o lado para observar os passageiros de outro veículo. Ao perceber que as janelas refletiam os passageiros próximos a mim, busquei um vislumbre meu. Ao jantar, entre murmúrios de aprovação, sorvi minha sopa de legumes. No final da refeição, tomei a colher entre os dedos e a encarei profundamente, esperando ver meu reflexo invertido. Por fim, num ímpeto cheio de raiva, corri até o espelho que fora pendurado no hall. "Para aumentar o cômodo", me disseram. Agarrei as molduras de madeira até os nós dos dedos ficarem brancos, e aos poucos deixei minhas pálpebras abrirem. Eu não estava ali.
Assume-se que seres da noite como eu sentem repulsa por seres da luz, como anjos e outros parecidos com eles; mas não poderiam estar mais errados. Se não é a imensa vontade de corromper tudo o que é bom e belo, o que nos atrái é o caráter às vezes malicioso, enganador, como o das fadas. Tive minhas experiências com pessoas assim. Naquela noite em específico, entrei num clube noturno como tantos outros. Ultimamente um anjo, dentre todas as criaturas, andava frequentando os inferninhos comuns às outras raças. Era impossível não notá-lo: além do brilho dourado que emitia, estava cercado de mulheres de diversas espécies, todas hipnotizadas pela possibilidade de estar perto de um anjo. Claro que era bonito. Alto, dos olhos verdes e a pele tão branca e uniforme que parecia pedra. Parecia incrivelmente entediado, muito mais interessado em fumar um cigarro lentamente do que dar atenção à alguma de suas várias acompanhantes. Reconheci algumas das moças cujo olhar estasiado varria aquele rosto
Comentários