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Reflexo

Na tarde daquele dia, andando pelo mercado, passei pelas vitrines da Ótica. Andando apressadamente, busquei meu próprio olhar nos vidros polidos. Mais tarde, já dentro do ônibus, olhei para o lado para observar os passageiros de outro veículo. Ao perceber que as janelas refletiam os passageiros próximos a mim, busquei um vislumbre meu. Ao jantar, entre murmúrios de aprovação, sorvi minha sopa de legumes. No final da refeição, tomei a colher entre os dedos e a encarei profundamente, esperando ver meu reflexo invertido. Por fim, num ímpeto cheio de raiva, corri até o espelho que fora pendurado no hall. "Para aumentar o cômodo", me disseram. Agarrei as molduras de madeira até os nós dos dedos ficarem brancos, e aos poucos deixei minhas pálpebras abrirem. Eu não estava ali.

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Stacatto parte I

Assume-se que seres da noite como eu sentem repulsa por seres da luz, como anjos e outros parecidos com eles; mas não poderiam estar mais errados. Se não é a imensa vontade de corromper tudo o que é bom e belo, o que nos atrái é o caráter às vezes malicioso, enganador, como o das fadas. Tive minhas experiências com pessoas assim. Naquela noite em específico, entrei num clube noturno como tantos outros. Ultimamente um anjo, dentre todas as criaturas, andava frequentando os inferninhos comuns às outras raças. Era impossível não notá-lo: além do brilho dourado que emitia, estava cercado de mulheres de diversas espécies, todas hipnotizadas pela possibilidade de estar perto de um anjo. Claro que era bonito. Alto, dos olhos verdes e a pele tão branca e uniforme que parecia pedra. Parecia incrivelmente entediado, muito mais interessado em fumar um cigarro lentamente do que dar atenção à alguma de suas várias acompanhantes. Reconheci algumas das moças cujo olhar estasiado varria aquele rosto

Ao amor

Ao meu precioso, peço desculpas por ter levado tanto tempo sem te levar em conta. Quando finalmente acordei para encarar que era você quem me movia, já era tarde demais. E quando achei que tinha encontrado minha ligação eterna com você, ela se transformou em cinzas diante dos meus olhos. Mesmo assim, tento te procurar nas pequenas coisas, e devo confessar que isso tem sido quase impossivelmente difícil, mas venho sobrevivendo há dias impossíveis há algum tempo. Aquele sopro de frio gelado sempre vem pela porta, mas agora tenho trancado-a à chaves toda vez que ele vem. Como eu te encontraria novamente, se partisse daqui? Da sua fiel amiga, Juliana.

Noite escura

Um vento vindo do norte, úmido e salgado, entrou pela janela. O candelabro que eu usava para escrever uma carta foi apagado pelo sopro, e por um segundo vi as letras brilharem no pergaminho antes da luz se apagar por completo. Larguei a pena sobre a mesa, recostei-me na poltrona e fechei os olhos... Não que fizesse diferença, com a lua coberta por nuvens escuras, o quarto havia ficado na total escuridão. E ainda restava o gosto de sal deixado nos meus lábios, como se o mar tivesse me beijado, divertido com a minha frustração. Ouvi um leve burburinho aos poucos se elevar - eram aqueles malditos quadros que ele tinha deixado. Mesmo tirando todos da parede e virando-os de costas para mim, eles cochichavam entre si. Eu podia ouvir o tom debochado em seus cochichos, as risadinhas carregadas de veneno. Ouvi meu nome repetido várias vezes. - Ainda posso ouvir, vocês sabem. Mais risadas. No escuro, sozinha, eu nada podia fazer. Devia ter ateado fogo em todos quando tive oportunidade, aprovei