O barulho dos passos na neve era reconfortante. Schrug, schrug, schrug... As botas pareciam mais largas do que deviam ser e meus pés pequenos patinavam dentro delas. O vento fazia com que os flocos de neve batesse no meu rosto como navalinhas. Parei um instante, as mãos apoiadas nos joelhos, respirando o ar frio que lacerava meu peito. Olhei pra trás só pra observar minhas pegadas, mas metade delas já tinham sido apagadas pelo vento. Sem rastros.
Continuei meu caminho. A noite era tão escura... Cada passo fazia meus pés doerem e meu rosto arder de frio. Sentia calafrios percorrerem não meu corpo, mas minha alma, como toda vez que tenho medo. Mas o medo já tinha me impedido de fazer tanta coisa, agora eu não falharia.
A floresta ia se aproximando, os troncos das árvores tão negros quanto o céu sem estrelas, galhos sem folhas e aparência assustadora. Chamavam-na Floresta das Sombras e no inverno ninguém precisava perguntar o porquê. Schrug, schrug, schrug, schrug...
Comecei a lembrar de pequenos detalhes. Uma rua de pedras e conversas sobre jogos. Uma praça ao pôr do sol e uma borboleta. Uma cama macia e um espelho. Um sofá verde na melhor casa do mundo. Poltronas lado a lado em frente à televisão. Um abraço em frente à uma praça movimentada. Um cigarro que não era meu. Risos e corrida na chuva.
Cada rosto que passava pela minha mente parecia flutuar na escuridão diante de mim, sólido e perto o suficiente pra tocar. As lágrimas começaram a rolar quentes pelas minhas bochechas, num fluxo interminável. Não apenas o ar machucava meu peito agora... mas eu estava tão perto!
Não! Não, não, NÃO! Continuo a andar, mas vou caindo... Tudo parece borrado e frio, a noite me envolveu. Me arrasto pela neve. Me arrasto pra ficar longe daqueles rostos que me rondam os sonhos e me apertam o coração.
A floresta parecia agora tão acolhedora... Braços de lenha negra que me chamavam pra um abraço. Um abraço de paz, um abraço longe de todos aqueles olhos! Olhos com pintas verdes, cheios de medo. Olhos fundos e melancólicos. Olhos redondos e vivos. E longe daqueles sorrisos...
Atravessei o limite. O vento agora faz silêncio em respeito aos troncos velhos, e a neve cái suave. O frio abraça os troncos e a escuridão me abraça. Meus passos se tornam mais fáceis através da neve macia, e meus joelhos vão deixando um rastrinho de sangue. Minha respiração se tornou mais fácil e não enxergo mais borrões. A luz da lua entra por frestas nos galhos, fazendo a neve brilhar.
Atravesso o mar branco e brilhante com confiança. Meus olhos cor de noz não choram mais, e sinto um calor dentro do peito. O ponto se aproxima. Me atrái, como me atrairiam os braços abertos daqueles que deixei pra trás, mas com mais força. Um bocejo me abre os lábios à força, a fenda no chão vai se alargando à medida que me aproximo.
Observo aquele negrume, mais negro que tudo de mais negro que meus olhos já tocaram. Tudo parece um sonho. Se eu me deixar cair, terei paz. Se eu me deixar cair, vou deixar pra trás todos vocês.Abro os braços e fico na ponta dos pés. Sou um pássaro, uma pomba branca de sardas perdida na noite, abraçada pela escuridão.
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