Pular para o conteúdo principal

Desejos Medrosos

Tinha dezessete anos quando fora vendida. Aquela garota vivia numa vila pobre com seu padrasto e suas outras doze irmãs, que só não eram estupradas por ele porque podiam ser vendidas por um preço bem alto. Ah, o que os velhos ricos não faziam por uma esposinha virgem! E agora, chegara a vez dela.
Os cabelos avermelhados foram penteados, e lhe permitiram - pela primeira vez na vida! - um banho decente e até borrifadas de perfume. E ela tinha medo. Tanto medo, que sentia os joelhos baterem-se sob a renda do vestido. E sentia aquela coisa engraçada que vinha toda vez que ficava ansiosa... Seus braços arrepiavam-se e sentia seus ossos um tanto quanto fora de lugar, e a vontade de ajustá-los sem poder.

Sabia que ele chegaria às três. Eles sempre vinham buscar as mocinhas às três. Alguns eram violentos e dominadores, e quando a garota era muito atrevida, recebia apenas uma bofetada. Aquilo era um aviso: o pior viria depois.
Marana só queria que tudo aquilo fosse um pesadelo, que ele viesse e a levasse logo; que morresse logo. O relógio bateu às três, e por quinze minutos, o coração dela bateu decompassado.
Quando a porta soou, o coração também soou. Parou. E voltou a bater, para a tristeza dela.
Ele era até bem apessoado, em seus cinquenta e poucos anos, recém viúvo. Mas trazia escrito na testa "PRISÃO" em letras garrafais, e só Marana via. Ela entrou na carruagem, e ele falava amenidades que não precisavam de resposta. Ela via a paisagem passar sorrateira por sua janela, ele via as curvas em botão que um dia a fariam a esposa mais cobiçada. Quando a carruagem parou, a noiva caiu morta. Matara-se, cortoncendo o próprio coração.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Encomenda

Metódico, cirurgicamente limpo, preciso. O sobretudo preto e a cartola de cetim da mesma cor; as delicadas luvas de pelica branca, tudo denotava sua classe. Era um assassino. E não era unicamente um assassino... era um gênio. O melhor e mais conhecido de todos os tempos, e além de tudo, o mais rico. Engraçado como essa noite não carregava sua maleta com seus preciosos instrumentos. Levava em uma das mãos sua bengala, engastada com pérolas negras; e na outra, um estranho embrulho branco. Era grande o suficiente para parecer um presente, mas a cobertura era uma tira de pano branco e simples. Não podia pertencer à nenhuma de suas amantes. Cuidadoso também nesse sentido, nunca deixara com que nenhuma delas sobrevivesse mais do que algumas noites de satisfação. Presenteava-as, claro, mas logo recuperava o lucro perdido. Até a noite em que a conhecera. Helena era uma figura mítica. Muito mais bela que Helena de Tróia, muito mais poderosa que qualquer rainha amazona. Seus cabelos de um ruivo ...

Terra Fértil

Assim vou correndo, pra longe daqui, sorrindo, sozinha, morrendo de rir; Já desperdicei meu veneno, quem merece, tanto faz ; não há mais alvo seguro pra se correr atrás. Talvez muito longe, talvez muito perto, o que procuro, não sei ao certo; já é tarde demais pra poder discutir, sorrindo, sozinha, morrendo de rir. Não mais lágrimas, nem mais esperança; vou rindo sozinha, como uma criança. Meus passos seguros, sozinhos, certeiros, perseguidos por sombras infinitas, não importa quantas vezes forem ditas, meus pés se movem lépidos, rasteiros. Assim vou correndo, pra longe daqui, sorrindo, sozinha, morrendo de rir. Meu sorriso conformado, em sua dor ele florece; minha lágrima fútil, em teu sangue se aquece. Acordei um tanto quanto sádica, imperativa em meu modo de amar; essas lacerações na tua carne, mais me fazem te admirar. Cortes profundos, sangrentos, tão belos quanto pinturas. Teus ossos e pele magra, as mais perfeitas molduras. Seu desespero estampado, doentio, em teus olhos sedento...

O Palhacinho

Volta e meia me pego olhando para aquela vitrine da antiga loja de brinquedos, que há muito foi fechada mas até hoje ninguém ousou arrombar e roubar. Os vidros já estão amarelados e tudo lá dentro está coberto de poeira, claro, mas os brinquedos parecem conter espíritos vivos dentro de si. De cada prateleira, seus olhos chamejam em nossa direção. De novo olhei para a estante de madeira escura e observei aqueles que sempre vinha ver, e podia jurar que mudavam de direção. Uma boneca, com ar sapeca e maravilhosos cabelos cor de rosa; um marionete de madeira, cujo títere sempre estava seguro em sua mão; e um palhacinho um tanto quanto macabro. Era um daqueles brinquedos educativos... Um poste coberto por aros coloridos de borracha, e na ponta, para segurar os aros, uma cabecinha sorridente de palhaço. Sempre me intrigava aquele brinquedo. Era o que mais parecia se mexer de propósito quando eu não estava olhando, e sorria de modo angelical lá da estante. Durante os últimos dias, tive até pe...