"Cada artista, à sua maneira, encontra sua forma de fugir. Ao invés de versar, pintar, cantar, musicar... Sonho. E são mais do que simplesmente deitar a cabeça ao travesseiro e ter delírios de subconsciente, me refiro ao lado lúdico de sonhar. E são sonhos tão palpáveis, que prendo-me a eles durante alguns minutos até recobrar a consciência. Durante pouco tempo, vejo-os - os fãs, os amigos, os inimigos - à minha frente e posso tocá-los e senti-los macios e quentes. Abraço-os, cumprimento-os, repreendo-os."
Ela dizia isso com os olhos pregados na janela já escurecida pela chuva. Do lado de fora, as árvores se curvavam em respeito ao vento, e seus galhos arranhavam a madeira das paredes. Twic, twic, twic... E eu sentia minha pele arrepiar-se, os pelos grossos ganhando vida, mas não de frio. Era o medo.
- Ivan? Você ainda me acha bonita como antes? - ela perguntou, levantando e rodopiando.
Aquela pergunta me chocou e entristeceu.
- Claro, meu amor.
- Mesmo tendo virado... isso?
- Você nunca deixou de ser a mulher que eu amo, não fale assim, Helô.
Mas Helô definitivamente não era a mesma. Há cinco anos, a casa fora incendiada durante a noite. Eu não estava em casa, mas Heloísa ficara presa, e tivera metade de todo o corpo completamente desfigurada pelas queimaduras. Vista de lado, ela chegava a parecer uma daquelas charges onde uma pessoa se veste de metade homem, metade mulher. Mas minha querida Helô era, hoje, metade mulher, metade monstro.
A metade sã tinha a pele alva e rósea e longos cabelos ruivos. A metade queimada, conservava-se enegrecida e por mais que se tratasse, parecia jamais melhorar. Parte de sua cabeça era completamente sem cabelos, e metade de seu sorriso era terrivelmente deformado, transformando seu gesto de felicidade num esgar de horror. No entanto, eu ainda amava Helô. Até ela enlouquecer.
Ela nunca mais saíra de casa, para qualquer coisa que fosse. Cortara laços com amigos e parentes, e despedira-se do mundo definitivamente. Tomara manias obsessivas, como o número de escovadas nos cabelos que conservava, a altura das meias, o modo de polir o chão, e até o modo das roupas se enfileirarem.
Certa noite, peguei-a próxima à lareira, olhando atentamente o fogo. Foi quando começou a gritar, e tentou atirar-se às pequenas chamas em prantos. Quando percebeu que nada lhe acontecera, tentou matar-se de mil maneiras diferentes, sempre falhando.
Certa noite, os gritos dela podiam ser ouvidos a distância, enquanto ela batia contra as paredes e chorava convulsivamente. Ela arranhava a madeira, os vidros da janela, produzindo sons monstruosos de desespero. Mas, depois de um estampido, silêncio. Ainda bem que sempre guardei minha espingarda. O sofrimento de Helô e o meu terminaram da mesma maneira.
Ela dizia isso com os olhos pregados na janela já escurecida pela chuva. Do lado de fora, as árvores se curvavam em respeito ao vento, e seus galhos arranhavam a madeira das paredes. Twic, twic, twic... E eu sentia minha pele arrepiar-se, os pelos grossos ganhando vida, mas não de frio. Era o medo.
- Ivan? Você ainda me acha bonita como antes? - ela perguntou, levantando e rodopiando.
Aquela pergunta me chocou e entristeceu.
- Claro, meu amor.
- Mesmo tendo virado... isso?
- Você nunca deixou de ser a mulher que eu amo, não fale assim, Helô.
Mas Helô definitivamente não era a mesma. Há cinco anos, a casa fora incendiada durante a noite. Eu não estava em casa, mas Heloísa ficara presa, e tivera metade de todo o corpo completamente desfigurada pelas queimaduras. Vista de lado, ela chegava a parecer uma daquelas charges onde uma pessoa se veste de metade homem, metade mulher. Mas minha querida Helô era, hoje, metade mulher, metade monstro.
A metade sã tinha a pele alva e rósea e longos cabelos ruivos. A metade queimada, conservava-se enegrecida e por mais que se tratasse, parecia jamais melhorar. Parte de sua cabeça era completamente sem cabelos, e metade de seu sorriso era terrivelmente deformado, transformando seu gesto de felicidade num esgar de horror. No entanto, eu ainda amava Helô. Até ela enlouquecer.
Ela nunca mais saíra de casa, para qualquer coisa que fosse. Cortara laços com amigos e parentes, e despedira-se do mundo definitivamente. Tomara manias obsessivas, como o número de escovadas nos cabelos que conservava, a altura das meias, o modo de polir o chão, e até o modo das roupas se enfileirarem.
Certa noite, peguei-a próxima à lareira, olhando atentamente o fogo. Foi quando começou a gritar, e tentou atirar-se às pequenas chamas em prantos. Quando percebeu que nada lhe acontecera, tentou matar-se de mil maneiras diferentes, sempre falhando.
Certa noite, os gritos dela podiam ser ouvidos a distância, enquanto ela batia contra as paredes e chorava convulsivamente. Ela arranhava a madeira, os vidros da janela, produzindo sons monstruosos de desespero. Mas, depois de um estampido, silêncio. Ainda bem que sempre guardei minha espingarda. O sofrimento de Helô e o meu terminaram da mesma maneira.
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