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Conto primeiro

Os cabelos brilhantes e de cor violenta, num estranho corte jovem, balançavam-se em volta de seu rosto como um halo. Ela corria e a cena sensual e juvenil de seus seios balançando fazia com que vários homens se virassem ao vê-la passar, e seu ar rebelde fazia as velhas senhoras balançarem a cabeça.
Entrou na pequena loja de Earl, quase deslizando na madeira recém encerada e tocando o sininho perto da porta. Tudo ali parecia ser de outro século, até o próprio Earl. Ele era um boticário, e as prateleiras empoeiradas da loja continham toda sorte de vidrinhos com líquidos coloridos, quase um caleidoscópio. O velhinho, de olhos azuis e pele de seda, devia estar nos fundos fazendo suas preciosas fórmulas.
Curiosa, contornou o balcão e pôs-se a examinar detidamente cada garrafinha de tamanho e cor diferente - cada uma parecia um pequeno tesouro, com suas cores vívidas e aura misteriosa. No entanto, um vidrinho chamou sua atenção. Era verde jade o líquido dentro dele, viscoso, porém líquido; de textura semelhante ao mel. Os dedos dela coçaram, e o vidrinho foi repousar em seu bolso direito.
Saiu da loja num frenesi mágico, sentindo o contorno através do tecido do casaco. Saltitou até o terraço de sua pequena casinha onde sorveu o líquido como um néctar dos deuses. Como escorria pela garganta! Imediatamente, sentiu a substância espalhar-se por seu corpo como uma gota de tinta escura se espalha num copo com água. Sentiu o bem estar... e fechou os olhos.

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